AÇÃO GEOLÓGICA DO GELO

Assim como a água em seu estado líquido e o vento, o gelo também possui uma importância geológica. Isso pode ser verificado em locais onde ele se acumula por um longo período, sem desaparecer durante o verão.


A neve cai sobre várias e vastas áreas, mas somente nas regiões frias da Terra, nas altas montanhas e nas zonas polares, as precipitações efetuam-se sob forma de neve, no estado sólido, isto é, cristalizadas, permanecendo assim, no local onde se produzem.

Nos períodos chamados hibernais, ou seja, o período de inverno, formam-se nessas regiões, as geleiras, que são as grandes, espessas e até quilométricas massas de gelo formada em camadas sucessivas, derivadas, em grande parte, da compactação e recristalização de neve de várias épocas.

Assim, as geleiras são um elemento importante na constituição física da Terra. A Antártida, por exemplo, representa segundo Teixeira et. al (2001, p. 216) o maior ‘sorvedouro’ de calor da Terra, influenciando profundamente as condições climáticas, a circulação das águas oceânicas e a atmosfera terrestre.

O registro da composição passada da atmosfera da Terra que ficou “arquivada” no gelo da Antártida foi possível comprovar o aumento de CO2 (dióxido de carbono) e outros gases da atmosfera, abrangendo as quatro últimas glaciações no Cenozóico.

Hoje, vivemos numa fase interglacial, dentro da idade glacial da era Cenozóica e os cientistas tentam prever as condições do clima no planeta, avaliando até catástrofes climáticas, caso haja mudanças buscas. Mesmo sabendo-se que a Terra passou por vários períodos de aquecimento e resfriamento, é importante lembrar que a ação antrópica é uma das principais preocupações dos cientistas.

Assim, estudar a atividade geológica do gelo nos permite avaliar e perceber o quanto este deixa marcas para que estudos sobre o clima, relevo, entre outros, possam ser efetuados, tanto na atualidade, para que se possa conhecer o passado, como também, o gelo acumulado no presente, deixará marcas para que se possa estudar no futuro.

1. O gelo do ponto de vista geológico


É impossível estudar a ação geológica do gelo, sem antes saber o que é neve e gelo. A neve forma-se pela cristalização do vapor de água no interior ou pouco abaixo das nuvens, em todas as latitudes. Nas regiões tropicais funde-se antes de cair e nas regiões frias, a neve cai em forma de cristais de gelo de diferentes tamanhos, dependendo da temperatura da nuvem.

Para Popp (1999, p. 170) a neve e o gelo são química e minerologicamente equivalentes, porém as ações meteorológica e geológica que produzem trazem resultados que os diferenciam entre si e da água também.

Do ponto de vista geológico, é importante o gelo resultado da acumulação da neve que, sob a forma de geleiras, ocupa 10% da superfície do planeta. Assim, o estudo dos fenômenos ligados à ação do gelo atual, leva à compreensão das atividades geológicas do passado.

2. As geleiras


Como foi dito, as geleiras são grandes massas de gelo que se acumulam em camadas de gelo formadas em várias épocas, deslocando-se, lentamente, relevo abaixo, provocando erosão glacial e incorporando fragmentos de rochas de vários tamanhos que são depositados como sedimentos glaciais. São excluídas as massas de gelo provenientes do congelamento direto das águas congelados o das águas de mares, como as grandes massas de gelo marinho que se acumulam nos pólos.

Existem vários tipos de geleiras, mas as principais são a alpina, de vale ou de altitude; a continental, inlandsis ou latitude e a de escape ou piemonte (LEINZ; AMARAL, 1975).

As geleiras alpinas, de vale ou altitude ficam restritas a vales glaciais, que podem ocorrer até em latitudes tropicais. O acúmulo maior do gelo dá-se nos vales das montanhas, podendo atingir dimensões consideráveis. Pode-se encontrar essas geleiras nas grandes depressões formadas nas grandes cadeias de montanhas como os Alpes ou Andes.

As geleiras continentais, inlandsis ou de latitude, desenvolvem-se sobre áreas continentais ou ilhas junto aos pólos, pode até atingir o nível do mar. Cobrem extensas áreas de gelo permanente como na Antártida e Groelândia.

A geleira do tipo escape ou piemonte, acontece freqüentemente no Alasca. Trata-se de uma geleira formada em região montanhosa, mas que se espalha em grande área ao redor da montanha. Diversas geleiras de vale se reúnem, alimentando a grande geleira de piemonte. São geleiras antigas e o acúmulo de detritos rochosos transportados pelo gelo é tão grande, que permite o desenvolvimento de extensos bosques de coníferas, que são formados sobre essa geleira.

É importante ressaltar que geleiras formam-se quando a acumulação de neve excede a sua perda e também, para que ocorra erosão ou sedimentação, as geleiras precisam se movimentar. Portanto, é importante estudar um pouco a movimentação das geleiras.

2.1. O Movimento das Geleiras


O gelo acumulado atualmente cobre 15 milhões de Km2. Tende a fluir, segundo a inclinação do terreno, sob a ação da gravidade. Esse movimento se dá principalmente pelo degelo de minúsculas partículas sob pressão e pela deformação dos cristais cujos retículos se comportam como um geminado, fazendo com que a parte superior se desloque sobre a inferior e posteriormente esta última também, de forma que a massa flua e não escorregue sobre a superfície. Com a base no micromovimento dos cristais, a massa atinge as regiões mais baixas, onde sofrerá contínuo degelo ou alcançará o mar formando os icebergs. Se o gelo não possuísse essa propriedade de movimento, a Terra seria um enorme deserto com a maior parte da água acumulada nos pólos; caso todo o gelo se derretesse, haveria um levantamento nestas regiões, produzido pelo alívio da pressão, e um conseqüente aumento do nível do mar.

As geleiras movimentam numa velocidade que varia de 0,6 a 18m por dia. Esta velocidade depende da geleira, da época do ano, da topografia, entre outras.

A velocidade no centro da geleira é maior do que nos extremos, devido ao atrito com as rochas. Em conseqüência disso, o gelo da superfície se desloca mais rapidamente do que o do fundo e o das margens.

Devido às diferenças de velocidade na mesma massa, formam-se as fendas marginais oblíquas. As fendas longitudinais formam-se quando a geleira passa de um vale estreito para uma região mais ampla.

Somente a partir do século XX foi medido diretamente o movimento das geleiras, medição esta dificultada pela grande lentidão do movimento, que é de alguns metros por ano, com valor médio.

Tanto o fenômeno do degelo como o da plasticidade, se explica o movimento das geleiras. Tentam explicar o movimento da seguinte maneira: a fusão ocasionada não só pela pressão, como também pelos detritos rochosos que se aquecem mais sob a ação do calor solar, faz com que a água migre para os interstícios de menor pressão, entre cristais de gelos, servindo assim como um verdadeiro lubrificante. É possível que esse fenômeno auxilie o movimento; contudo, dá-se maior importância ao fenômeno do deslizamento, ou, ainda esmagados pelo efeito de uma pressão orientada no sentido vertical e decomposta nos setores correspondente à declividade do terreno, como uma prensa comprimindo um baralho ligeiramente inclinado.

3. Erosão glacial


Os processos de erosão glacial ocorrem sob as massas de gelo, sendo, portanto, de difícil observação e estudo e o seu conhecimento ainda é incompleto.

A erosão glacial pode ser definida como envolvendo a incorporação ou remoção, pelas geleiras de partículas do assoalho sobre a qual elas se movem. Desse modo, são três os principais processos de erosão glacial: abrasão, remoção e ação da água de degelo.

Abrasão: é o desgaste do assoalho sobre o qual as geleiras se deslocam, pela ação de partículas rochosas transportadas na base do gelo. A maior parte da abrasão é produzida pelos fragmentos rochosos que ela transporta e não pela ação direta do gelo, isso por causa do gelo ter pouca dureza.

Remoção: os fragmentos rochosos maiores são removidos pelas geleiras. Está associado à presença de fraturas ou descontinuidade, que podem corresponder as estruturas.

Ação da água de degelo: A forte pressão do espesso de degelo em deslocamento provoca o degelo acentuado nos meses quentes do ano; esta água ao ser infiltrada em fraturas das rochas sofre expansão ao congelar, quebrando e estilhaçando a rocha em blocos (“intemperismo físico glaciar”) que são logo incorporados à massa de gelo e que aumenta a carga rochosa e o poder erosivo da geleira.

Portanto, a velocidade e a profundidade da erosão variam de acordo com os seguintes fatores:

a) peso da massa do gelo;
b) velocidade do deslocamento da geleira;
c) quantidade de rochas duras anexadas;
d) irregularidade das rochas da superfície do terreno;
e) tipos de rochas da superfície (sedimentos, rochas cristalinas e outras).

A ação dos processos de erosão glacial resulta na formação de uma velocidade de feições típicas, nos diferentes substratos sobre os quais as geleiras se deslocam, sendo que as principais são estrias glaciais, sulcos e cristas, em uma microescala. Marcas de percussão, fraturas de fricção, fraturas crescentes e sulcos em crescente e as chamadas rochas moutonnée, além de outras feições tais como: vales glaciais e estruturas dorso de baleia.

O resultado da ação erosiva das geleiras resultam em circos glaciais, vales em forma de “U” (Figura 1), rocha moutonée, estrias glaciais e vales suspensos.

Os circos glaciais: nas porções mais altas dos vales glaciais, a ação do gelo desenvolve depressões semelhantes a anfiteatros. No início as paredes são produzidas pelo gelo que adere a rocha, principalmente na juntas e fraturas. No verão, quando desce o gelo, formam-se fendas vazias entre o gelo e a parede do circo, que são preenchidas com neve no inverno seguinte.

Quando o gelo se move novamente, arranca mais rochas das paredes (Figura 1).
Figura 1 – Circo Glacial

Vales em forma de “U”: Os vales ocupados vão adquirindo um fundo plano por erosão, passando de forma primitiva em “V” para forma em “U” (Figura 2).
Figura 2 – Vale em “U”

Rocha Moutonnée:A ação da geleira sobre a superfície das rochas, principalmente rochas mais duras, deixa-as lisas e por vezes estriadas, devido aos seixos contidos no gelo (Figura 3).
Figura 3 – Rocha Moutonnée

Estrias Glaciais: As estrias glaciais resultam da ação dos fragmentos rochosos incorporados à geleira que atuam sobre a superfície do terreno nas paredes dos vales (Figura 4).

Vales Suspensos: Quando há influência de duas geleiras de vale, aquela que ocupa o vale principal aprofunda mais o terreno porque seu volume é maior que o da tributária. Quando o gelo desaparece, o vale menor fica suspenso com relação ao maior, isto é, muito mais topograficamente.
Figura 4 – Estrias Glaciais

4. Depósitos glaciais


Uma geleira engloba, ao se movimentar, os fragmentos das rochas do fundo e das laterais e, à medida que os transporta, transforma-se numa poderosa lixa que desgasta e estria as rochas por sobre as quais passa.

Quando a carga torna-se insustentável ou a topografia favorece, inicia-se a deposição em forma de morenas laterais e morenas de fundo. Quando a geleira estaciona, isto é, quando o degelo compensa o avanço, deposita-se a morena frontal.

Chama-se de morena central a reunião de duas morenas laterais devido a aproximação de duas massas de gelo que vão na mesma direção.

A Figura 5, no Parque Nacional das Sequóias – EUA mostra pinheiros que nasceram em meio às morenas, depositados por uma antiga geleira. Estes blocos se espalham por uma vasta área, formando verdadeiros labirintos de rochas.

É importante lembrar que o poder de erosão de uma geleira (retirada, transporte e deposição de sedimentos) é impressionante.
Figura 5 – Pinheiros em meio às morenas ou morainas

4.1. Tipos de Sedimentos Glaciais


Drift glacial: generalização que inclui sedimentos glaciais primários, material transportado por degelo e outros depositados em massa de águas de inundação provenientes da própria geleira ou do mar;

Till: sedimento cujas partículas variam desde o tamanho das argilas até os matacões (Figura 6).

Löes: sedimento glacial ou eólico ligado as glaciações.

5. Depósitos flúvio-glaciais


A água de degelo trabalhando, o material englobado pelo gelo produz vários tipos de depósitos chamados flúvio-glaciais, cujos principais são:

kames: depósitos formados nas margens ou nas fendas da geleira por correntes densas ou massa de água de degelo contendo grande carga de material detrítico;

Eskers: depósitos alongados, sinuosos, muitas vezes anastomasados, produzidos por águas de degelo que preenchem canais e ravinas formados pela geleiras ou pelas correntes de degelo (Figura 6).

Sedimentos de outwash: a água do degelo retrabalhando os primitivos depósitos glaciais forma uma gama de sedimentos que variam com a energia das correntes e com as condições topográficas.
Figura 6 – Depósito de Ésker

6. Depósitos glácio-lacustres


Os lagos caracterizam as topografias periglacial e pós-glacial. Vários tipos de lagos provem de ambiente glacial, geralmente formados em depressões escavadas pelo gelo ou decorrentes da obstrução de vales glaciais.

Os depósitos varvíticos são os principais sedimentos de fundo em lagos glaciais.

Varvito é um tipo especial de rocha sedimentar formada pela sucessão repetida de laminas ou camadas, cada uma delas depositada durante o intervalo de um ano. Cada lâmina ou camada é formada por um par de arenitos ou siltito, de cor mais clara e mais escura.

O termo varvito, deriva da palavra varve, de origem sueca e significa depósitos sedimentares sazonais.

O tipo mais conhecido de varve á aquele depositado em lagos formados na frente das geleiras, por meio do represamento da água produzida pelo derretimento do gelo na fase de recuo das geleiras.

A interpretação do varvito como um depósito sazonal de antigo lago tem grande interesse de estudo, pois apresenta indícios de climas passados (paleoclimas), juntamente com outras rochas como tilitos (conglomerados glaciais), e estruturas como as rochas moutonnées.

O tempo geológico pode ser medido por meio do registro dos varvitos.

Restos de animais foram fossilizados e preservados no material do fundo do lago permitindo aos paleontólogos e geólogos determinarem a idade dos organismos e das rochas que os envolvem.

6.1. A Formação dos Varvitos


Durante a primavera e o verão a temperatura fica mais quente e a água gerada pelo derretimento do gelo é mais abundante, assim há um transporte maior da quantidade de areia, argila e silte para o fundo do lago, resultando em camadas mais espessas e claras. É nesta época alguns seres vivos conseguem se desenvolver.

Neste período, pedaços de gelos podem se soltar da frente da geleira e forma icebergs (gelo flutuante) que, depois derretem e podem liberar detritos no lago (como seixos, calhaus ou matacões). Durante o outono-inverno, as temperaturas mais frias congelam novamente o lago, as partículas mais finas depositam-se no fundo do lago, formando laminas escuras e finas. A posição do registro horizontal evidencia que se trata de um depósito lacustre e não que o material tenha vindo de água corrente. A Figura 7 mostra o resultado de uma formação varvítica.

Figura 7 – Formação Varvítica Itu/SP

7. As glaciações


Existem muitas teorias que procuram explicar as glaciações, mas, nenhuma delas parece ter resolvido o problema, pelo menos isoladamente.

Algumas teorias a respeito das glaciações são as seguintes:

· Queda da intensidade da radiação solar.
· Pó vulcânico em excesso.
· aumento da concentração de CO2 na atmosfera diminuindo a intensidade solar.
· mudança ou deriva continental, que aproximou os pólos.

Atualmente, vários fatores associados são necessários para que haja uma glaciação, como o movimento das massas continentais e a energia solar, devido a mudanças na relação Terra-Sol.

Durante o histórico da Terra, aconteceram algumas grandes glaciações: pré-cambriana, paleozóica e quaternária. As glaciações e os períodos interglaciais do quaternário foram bem importantes para a constituição do relevo do sul do Brasil.

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